sexta-feira, 24 de julho de 2009

Na fumaça do meu cigarro


Sentada no sofá ela olha para os livros em cima da mesa, mas seu olhar se perde como duas rolhas de champanhe prontas para estourar.


Se ela pudesse trocar a realidade pela ficção, talvez fosse qualquer personagem desiludida de um romance envelhecido.


Ele sai do banheiro, enxuga as mãos na calça. Sua camisa xadrez tem cheiro de batom antigo e parece combinar com a barba mal-feita e o sorriso malandro no canto da boca. Ele para e senta na frente dela.


Sem tempo para disfarçar um riso, a única coisa que saiu foi uma tremida de lábios instantaneamente desanimada.


-Tem quanto tempo que você está aqui nesse apartamento?


Ele pergunta primeiro pra sua mente e torce por alguma resposta, depois de um tempo percebe que não havia perguntado e repete.


-Você mora aqui há quanto tempo?


-Poucos meses, acho que seis.


Um pequeno silêncio. Na parede ao lado, um cartaz do filme Bonequinha de Luxo.


-Então você gosta desse filme?


-Não, não que eu não goste. É só porque adoro Capote.


-Hum. (e ele solta um pequeno riso)


“Ele não conhece Capote. O que está fazendo aqui?”


Homens espertos às vezes conseguem responder pensamentos.


-Eu já li um livro dele, muito bom. Preciso ler mais.


Que alívio ela sentiu.


Depois disso é de conhecimento público que se pode subir um degrau.


Ele muda de lugar, e se senta ao lado dela.


-Por que ele foi embora? (e se lembra que a escova de dente ainda está lá)


Ela olha para o lado e vem a lembrança.


A cama desfeita. Ela lia, e o outro fumava ouvindo música no fone.


O outro apaga o cigarro, cinzas da semana inteira dançam no ar.


-Eu vou comprar um guarda-roupa. Você não abre espaço no seu pra mim.


Ela fecha o livro e olha para o outro.


Agora ao contar para ele, ela enxergava.


-Foi assim que acabou. Um guarda-roupa.


-Eu não preciso de um.


Ela ri e acende um cigarro.


-Agora eu fumo. (ela não sabia mais fumava porque na fumaça do seu cigarro via a imagem dele, desfocada mais via)


Só eu sei porque tudo acabou. Ela lia “A Sangue Frio” e o outro ouvia “Trocando em Miúdos”. Não poderia haver prenúncio pior do fim da paixão do que um livro desses e essa música.


Obs.: Já que estive pensando no Capote, vai uma foto dele com a gracinha da Marilyn Monroe.

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